Está um sol frio lá fora (em
janeiro não são frias só as noites de Lisboa). Mas é sol, energia pura. E
por trás deste vidro, na cadeira onde me sento, o sol chega com o mesmo
calor e a mesma luz. É sempre assim: tudo está aqui na nossa frente,
nas nossas mãos, à nossa volta, e sempre há uma forma de mudar a ordem
das coisas para a (des)ordem que faz sentido na nossa existência.
O teu erro sou eu
sexta-feira, 4 de janeiro de 2013
quarta-feira, 2 de janeiro de 2013
Chumbo
Está gente lá fora. Ouvimo-los cá dentro. Não sei se passam se se deixam
ficar, se nos ouvem se nos querem invadir.
- Se estão ali há muito ouviram tudo.
Disseste-o baixinho, para que o teu tom de voz dissimulasse talvez o
prazer que essa afirmação te trazia. As sílabas saiam-te e foi como se uma
eternidade estivesse neste momento. Ouvi-te respirar, já tinhas tranquilizada a
inspiração com a expiração, com as veias que deixam de dilatar, com o calor que
se perde. Era tudo um eco, cá dentro. Os ruídos dos passos das pessoas lá fora,
as tuas sílabas quase sussurradas, a tua expiração estagnada no espaço que nos
separa, tudo. Todo o tudo em decomposição entre a vergonha e o desafio e um
sorriso de puro contentamento mórbido que não te deixo ver.
Fascina-me esse teu lado sombrio. Fascina-me essa tua dócil forma, na
delicadeza dos jeitos, na suavidade dos movimentos, tão honestamente utilizados
só para te filtrar a cólera latente. A cólera que um dia, um segundo, de olhos
fechados, olhos apagados, deixaste fugir e me ofereceste numa bandeja de ouro.
Com a mesma delicadeza, deste-me a provar, sem me perguntar se o queria, tudo o
que nela trazias. Abriste-me a boca, abriste-me o cérebro, e fizeste-me comer.
Empurraste com os dedos, com as mãos, não deixaste ficar nada. Saciaste-me um
apetite que eu não sabia que tinha. Comprimem-se as minhas pernas quando penso
nele, dilatam-se as pupilas, contorce-se a língua, salivo. Estive com fome a
vida toda.
- Achas que ouviram?
Tão genuína a minha falsa preocupação quanto foi a tua indiferença no
abraço, no beijo e no sorriso tranquilizador que me deste a seguir. Comovo-me
nesta nossa partilha. Eu sei de ti, do pior de ti. Tenho um medo visceral desse
teu eu, tanto que só tu sabes, só tu o reconheces no frio gélido das palmas das
mãos que te entrego para que as aqueças. Jamais te irei impedir, ficarei só
quieta fingindo-me a vítima que queres que seja. É tão genuíno o amor que tenho
por ti.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
parto
Esfrego as mãos na cara. Se pudesse ver-me ao espelho agora
saberia exactamente o que iria ver. Há um rasgo triste na linha das minhas sobrancelhas
de cada vez que me atravessa este meu solitário amor pelo mundo. Os meus olhos
ficam mais pequenos, os meus lábios ficam mais pequenos. É como um buraco negro
no centro do universo que sou eu. Há tanto a acontecer que me confundo e me
perco na vontade de o partilhar. Só não sei bem como o fazer. A quem fazê-lo. Parto
do princípio que é tão meu que será difícil de entender se eu o procurar
multiplicar. Estou errada, bem sei. Porque eu nunca sou só eu, eu sou um mundo
inteiro que está em mim e o mundo inteiro tem-me em parcelas de tudo.
E nesta súbita solidão emerge tão clara a certeza de nunca
estar só. No meu amor pelo mundo as mãos que esfrego na cara são muito mais que
os cinco dedos que me confortam. O hoje e o agora são os sonhos. Nos meus
sonhos sou feita de matéria de tudo e de nada. Nasço todos os dias, todos os dias
são meus. Todos os dias são a minha dádiva. Todos os grãos, todos os milímetros,
todos os pedaços de nada. Tudo agarra o meu rasgo triste e o rasga com o ritmo
do meu respirar em amor. O meu amor deixará de ser triste. O meu amor deixou de
ser triste. O meu amor é teu e tu, tu és o mundo condensado no infinito.
domingo, 4 de novembro de 2012
primeiro
Anda. Traz-me num instante o teu sorriso luminoso,
quero mais que tudo que a tua luz me apague do resto
Tu vens e vais e sempre que vens sempre tudo me apetece
É como se o fim de um dia se acendesse em desejo, em calor e em fome
Vivo dessa fome, como se só a vontade me alimentasse
Anda. Não me importa que depois vás
É o estar aqui, agora, que me fascina
O que não existe não existe, deixa-o estar
quarta-feira, 18 de abril de 2012
Bílis
Sim, eu sei onde andam os meandros dos meus enganos
Não te iludas, nada disto é um acaso
Os dias que perco, fingindo-me não saber,
são as pedras que guardas no teu saco
É por isso que te cansas de amor
Por isto que me pedes, tão delicadamente quanto o medo que conservas em pó,
que te procure durante a noite e te sugue a alma quando tenho frio
Não sei se te desafio se somente te arrasto
Queria arrancar-te o coração do peito e deixá-lo do meu lado,
ter um caminho suplente
Deixarias, se te pedisse, se supusesses que o quero
Consome-me o teu modo de me olhar
Vou apanhar mais pedras
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