segunda-feira, 4 de maio de 2009

Carvão

Sem mastigar demais os picotados da selva
decidi conservar em gomos a liquidez das palavras
e assim pedir-lhes,
delicadamente,
que não se fundam em pedaços de suspensas receitas
das que nunca se fazem e nunca se provam
e sempre se sabem

segunda-feira, 27 de abril de 2009

entre laço

Nasceu um pinheiro manso à porta dos meus segredos
Escondeu na campainha a raiz das cordas
e entrelaçou as lânguidas chamas de papel
até fazer delas as esquecidas flores de inverno
Dançou
no zumbido dos fins de tarde
pela estática seiva das nuvens
enquanto embevecia,
na mímica dos espaços,
as metas e os medos

quinta-feira, 16 de abril de 2009

lilás

Tu sabes onde está o reverso das flores
Era Agosto
quando os canários dançavam toda a noite
soltos de cordas de relógios
obrigando-nos à insónia dos famintos
No espaço do tempo
salgavam-se em letras miúdas
na reminiscência de procurar já sabendo
Neles cabiam todos os caminhos
Tu sabes

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Escaravelhos

Novelos de dedos enrolam-se sobre o desafio de abrir
criam nós de sentidos
pedem a rouquidão do desamparo
para depois, na sensibilidade de acordar, perceberem só
que a mágoa das primaveras
é ter de esperar

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Poros

Podia condensar os sais
criar uma integrável parcela de mágoas
depois afagá-la, medir-lhe os ângulos,
e destiná-la ao andar dos incansáveis
na rua dos pesos
- onde caminhámos descalços sobre a astúcia dos amores -
e fingimos perder o destino
até infiltrarmos nas paredes o ar vibrante de todos os poros.

Ausente

O olhar do inventado medo
pedincha nas esquinas dos soalhos frios pelo teu suor das manhãs de verão
As almas esvoaçam sobre a cama com os gatilhos prontos
vão comer-te os sonhos quando acordares
Dorme
Deixa-te ficar nesse limbo de coisas bonitas,
que a liberdade é sempre mais doce quando é mentira
e se derretem em afiados azuis as longínquas recordações de ti

terça-feira, 3 de março de 2009

escadas

Na sepultura dos vendavais
arrancam-se viscerais promessas de maré
Vêm e vão num enjoativo balançar de corpos frescos
- voltam em cima das pedras azuis -
os que não pedem demais quando fica frio
Procuraria no vão das escadas de papel
pelos recantos onde se acumula todo o pó
para depois sugá-lo, numa palhinha de mil metros,
invertendo o sentido das coisas
O pó por dentro, revolto numa desnorteada vela teatral
e a cal das paredes liquidas nos tectos de colmo

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Pesca

Segui, trémula, pelas margens do rascunho das folhas verdes
assumindo-se a rota
traçada de bússolas com letras desencaixadas
na desnecessária tendência de guardar o meio
Sabes que a vida se estende para lá das linhas e dos quadrados
quando os ângulos fechados dos sonhos
se rasgam em mil pedaços brilhantes
É aí que a cola das tábuas e dos cortes ferve
lançando obtusas redes de pesca
nas mais sublimes ideias de estupidez