quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

parto




Esfrego as mãos na cara. Se pudesse ver-me ao espelho agora saberia exactamente o que iria ver. Há um rasgo triste na linha das minhas sobrancelhas de cada vez que me atravessa este meu solitário amor pelo mundo. Os meus olhos ficam mais pequenos, os meus lábios ficam mais pequenos. É como um buraco negro no centro do universo que sou eu. Há tanto a acontecer que me confundo e me perco na vontade de o partilhar. Só não sei bem como o fazer. A quem fazê-lo. Parto do princípio que é tão meu que será difícil de entender se eu o procurar multiplicar. Estou errada, bem sei. Porque eu nunca sou só eu, eu sou um mundo inteiro que está em mim e o mundo inteiro tem-me em parcelas de tudo.

E nesta súbita solidão emerge tão clara a certeza de nunca estar só. No meu amor pelo mundo as mãos que esfrego na cara são muito mais que os cinco dedos que me confortam. O hoje e o agora são os sonhos. Nos meus sonhos sou feita de matéria de tudo e de nada. Nasço todos os dias, todos os dias são meus. Todos os dias são a minha dádiva. Todos os grãos, todos os milímetros, todos os pedaços de nada. Tudo agarra o meu rasgo triste e o rasga com o ritmo do meu respirar em amor. O meu amor deixará de ser triste. O meu amor deixou de ser triste. O meu amor é teu e tu, tu és o mundo condensado no infinito.

domingo, 4 de novembro de 2012

primeiro



Anda. Traz-me num instante o teu sorriso luminoso,
quero mais que tudo que a tua luz me apague do resto
Tu vens e vais e sempre que vens sempre tudo me apetece
É como se o fim de um dia se acendesse em desejo, em calor e em fome
Vivo dessa fome, como se só a vontade me alimentasse
Anda. Não me importa que depois vás
É o estar aqui, agora, que me fascina
O que não existe não existe, deixa-o estar

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Bílis


Sim, eu sei onde andam os meandros dos meus enganos

Não te iludas, nada disto é um acaso

Os dias que perco, fingindo-me não saber,

são as pedras que guardas no teu saco

É por isso que te cansas de amor

Por isto que me pedes, tão delicadamente quanto o medo que conservas em pó,

que te procure durante a noite e te sugue a alma quando tenho frio

Não sei se te desafio se somente te arrasto

Queria arrancar-te o coração do peito e deixá-lo do meu lado,

ter um caminho suplente

Deixarias, se te pedisse, se supusesses que o quero

Consome-me o teu modo de me olhar

Vou apanhar mais pedras

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Descodificar


Será que perdemos o sinal? Tenho receio que estejamos em comprimentos de onda talvez diferentes, talvez paralelos. O problema do paralelismo é que, entre dois objectos paralelos, em tudo se reflectem semelhanças excepto num único detalhe: no conteúdo. Portanto, se eu e tu gostamos, adoramos, se eu e tu somos loucos e engraçados, não necessariamente gostamos do mesmo ou achamos piada à mesma piada. Ainda assim gosto de te ver rir e acho este fenómeno divertido, coisa que tu, provavelmente, não acharás.
E dito isto talvez vá fazer como te disse há pouco: procurar um descodificador de sinal, ligá-lo às nossas antenas e esperar que elas se sintonizem no mesmo emissor.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

meia dúzia


Um dia saberei o que fazer com o turbilhão. Melhor dizendo, saberei o que escrever sem que ele seja demasiado avassalador, atropelando-me eu pela minha própria vontade de o verbalizar numa tentativa de o tornar imortal. Escrito, em meia dúzia de linhas que, às vezes, de tão indecifráveis, são até impossíveis para mim de entender. É como um chuva tropical, em minutos alaga-me numa brutalidade de milhões de sentidos, milhões de gotas de chuva quente. Depois vão, depois voltam. Balançam-se, embalam-me. Envolvem o mundo numa outra dimensão que eu quero por demais tocar com dedos feitos de pedacinhos. O mais e o menos e eu procurando contrariar a matemática dos átomos, deixando-me ir naquele corredor sem paredes, deixando-me ficar no colo dos tolos. Não estou por aí preocupada na falta de sentido, haverá sempre um norte ou uma outra rosa para inventar.

Dou conta da mudança. Assim, sem nada que não em meia dúzia de linhas. Há por certo do que explorar, internamente, exponencialmente. Haveremos de chegar a um acordo, um consenso de vontades. Deixei de me preocupar.