Segura, andando, deslizando...
delicados pés em delicados sapatos
um passo mal dado
...e a merda do cão da vizinha a esborrachar-se nos meus pés
Da que cola, não larga
Paro e o inoportuno cão balofo ainda me tenta morder
Tenho de correr e parto um salto…
Sigo caminho,
na ridícula tentativa
de não deixar perceber a mole mancha castanha
e o salto do sapato do pé que tenho agora na mão
Hoje que me programava para brilhar sem qualquer erro
dou comigo assim
Arrisquei no taileur preto que já me assentou muito bem
(em tempos)
E distraída com a corrida contra o balofo
dou conta que me saltou um botão da saia
Aperto o casaco escondendo a casa do botão rebelde que fugiu de casa
Rendida ao cansaço de andar em pé-coxinho,
paro numa rua paralela,
tiro o sapato e vejo as finas meias rotas no dedo
Enquanto procuro um lenço e tento limpar aquele bagaço
passa o meu soberbo colega do piso de baixo
- bom dia (e sorri, deixando o rasto de armani)
- bom dia (e coro, rodeada do cheiro daquele cócó matinal)
Procuro mais lenços em vão,
mala de mulher está sempre cheia do que não faz falta
Entro na sapataria da esquina,
não sei se é pior o meu cheiro ou o cheiro a naftalina da velha ao balcão
Um único par de sapatos com o meu número...
colecção de 76, ortopédico, saltinho enfadonho de 2cm
verdadeiro couro... rijo que nem cornos
Naquele descontexto em que fico
sigo para o trabalho, atrasada
o patrão dirigido a mim em tom agressivo...
hesita ao ver-me chegar naquele reparo
estranha-me ao olhar para os meus pés
-onde foi arranjar isso?
vira costas e segue.
A pirosa loira da recepção fica a rir-se baixinho
Subo o elevador
Cruzo-me de novo com O do andar de baixo
Corada, embaraçada, só queria chegar depressa ao meu piso
O elevador pára,
estamos presos
O lingrinhas do andar de cima começa a guinchar baixinho,
alivia a gravata, para poder guinchar melhor
Acende-se aquela luz verde,
pronto …
eu pior do que a cheirar a merda
só a cheirar a merda e de verde,
que vai mal com a minha pele
Naquele desconforto O lá de baixo:
- Os seus outros sapatos eram mais bonitos
(e sorri, continuando a cheirar bem)
Vermelha,
mãos suadas,
sorriso estúpido na cara,
só me sai um grunhido de afirmação parecido com os do lingrinhas
- .... quer almoçar comigo hoje? (sorrindo para mim, O lá de baixo)
Afinal merda de cão tem o seu charme
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